quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Por uma política cultural I


Uma rápida incursão pela história recente do Brasil nos revela uma inconsistência no que concerne aos planos de desenvolvimento levados a efeito pelos governos, principalmente na esfera federal. Pensar o Brasil, em toda a sua diversidade, reinventar as práticas diretivas e trazer à discussão um projeto para a Nação brasileira, não fez parte de uma agenda de governo dos grupos que se sucederam nos últimos vinte anos de nossa recente história.
Nesses dez meses do governo de Marcelo Déda estive, como espectador/participante, aguardando pela definição de um conjunto de políticas, próprias a um governo em início de gestão. Afora o lugar comum de que é preciso dá tempo para o governo e de que não se corrige erros históricos em tão pouco tempo, não fiz coro entre os que apontavam para uma e outra situação. Apenas observei e fiz o que julguei correto: observar, avaliar e acompanhar as ações. Agora está na hora de falar. Falarei.
Tem uma coisa que nunca entendi, ou acho que nunca quis entender: por que um grupo político de um Estado tão pequeno, elabora um projeto de chegar ao poder que se arrasta por mais de uma década, chega ao poder e não tem um projeto de governo, um conjunto de ações prontas para apresentar à sociedade? Que o grupo necessita de um tempo para se “ familiarizar ” com a máquina administrativa é admissível, mas que não tenha um projeto para contrapor ao (falta) projeto anterior, é incompreensível!
A única coisa que o bom senso me alerta é para o fato de que o governo foi tomado de susto e que não existia um programa de governo elaborado, cuidadosamente, e, que tudo foi se construindo ao longo desses 10 meses. Aparentemente tudo normal, mas não é.
Não usarei esse espaço para uma análise conjuntural do Governo Marcelo Déda, pois não tenho condições técnicas, nem informações para tanto. Mas, ocuparei esse espaço para realizar algumas reflexões a respeito do lugar que a Cultura ocupa na gestão do atual governo.
Qual é o nó que percebo no atual governo, até agora? A inexistência de uma política cultural. Não me refiro a ações isoladas, administrativas ou de eventos. Não, refiro-me àquele conjunto de ações inspiradas em princípios que nortearão as ações públicas em geral, pois não se concebe uma política cultural isoladamente; não se concebe um conjunto de ações culturais dissociados das demais ações.
A cultura não é um substrato que possa ser abstraído e, com precisão cirúrgica, proceder a reparos ou correções, como plástica corrigindo rusgas. A cultura se constrói em um continuado movimento da fazeres / afazeres dos povos, da comunidade, de grupos.
O papel do gestor cultural, no âmbito do Estado, é compatível ao papel do gestor econômico, administrativo, educacional, tributário, etc. O gestor cultural, na esfera governamental, é um executivo das políticas públicas, dos programas governamentais – quando esses existem.
A cultura sempre existiu, existe e continuará a existir, independente de sistemas e formas de governos; a cultura existe apesar dos governos.
A simples existência de um Ministério da Cultura ou de uma Secretaria de Cultura é uma prova inconteste da incompreensão do significado da cultura.
Por conceito, a cultura é trasministerial, nunca deveria existir uma ação, onde quer que haja, seja qual for a esfera governamental, que não contemplasse o alcance cultural dessa ação.
A existência de um Ministério ou de uma Secretaria da cultura cria uma situação, no mínimo esquisita, entre os gestores de outras pastas: a de se achar que tal ou qual medida não afeta a vida cultural de um povo; ou de se eximir dessas mesmas ações, pois, afinal, existe a pasta da Cultura. Assim, esses entes administrativos se tornam em agentes públicos de promoção de eventos e espetáculos, quando muito de promotores de ações que contemplam o interesse de um determinado segmento.
Quanto de recurso público seria necessário e ideal para uma pasta da cultura? O muito seria pouco e o pouco pode ser incrivelmente muito!
Imaginemos uma situação: se cada município brasileiro resolvesse reivindicar uma biblioteca, um teatro, um museu, um arquivo, quanto seria necessário para a implantação desses bens culturais? Quanto seria necessário para sua manutenção em todos os municípios? Com certeza que bem mais que os orçamentos destinam para a cultura.
Agora imaginemos outra situação: se os governos resolvessem investir em grupos folclóricos, em manifestações populares as mais variadas, entre outros, quanto que seria necessário? Bem menos do que o que se gasta hoje.
Dessa forma, a questão orçamentária, sem minimizá-la, mas é apenas uma questão, sem ao menos ser a mais importante das questões para a gestão da cultura. Falarei sobre o orçamento para a Cultura em outro artigo.

Aracaju, junho de 2008

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