quinta-feira, 6 de agosto de 2020

200 anos de Independência sem comemorações

 

Não fosse a Pandemia, hoje estaria ocorrendo uma vasta programação organizada pelo Governo do Estado, Prefeitura Municipal e diversas instituições educacionais e culturais do Estado de Sergipe, com o intuito de celebrar os 200 anos da assinatura do Decreto de 8 de Julho de 1820, pelo qual, o rei isenta a Capitania de Sergipe d´El Rei da sujeição à Capitania da Bahia, dela ficando totalmente livre.

Havia uma intensão, inclusive uma comissão foi criada para tal fim, de que a programação pelos duzentos anos da Independência de Sergipe se estendesse por todo o ano, mas em abril já se sabia da impossibilidade de se realizar as comemorações,  em virtude dos Decretos governamentais e a expansão do Corona pelo Estado.

O Centenário da Independência de Sergipe ( 1920 ), por pouco não foi comemorado. E a razão? A pandemia da gripe espanhola, que em vários países assolou entre 1918 se estendendo até 1920. Em Sergipe, o período mais crítico foi entre meados de 1918 e início de 1919. Foram três meses de intensa afetação da população, gerando uma crise sanitária sem precedentes. Nesses três meses, os registros oficiais, questionados até mesmo pelas autoridades da época, contabilizaram 25.910 infectados pelo vírus, com um total de 910 óbitos. Em apenas três meses!

Esse quadro terminou por interferir na grande festa que se pensava em fazer pelas comemorações do centenário da Independência de Sergipe. Ao fim, terminou sendo uma festa localizada, com a distribuição de medalhas, comendas e diplomas oficiais. O ponto alto foi a inauguração da estátua de Tobias Barreto, obra do escultor italiano Lourenzo Petrucci, um belo exemplar da Belle Époque, encravada na praça Pinheiro Machado, que após a colocação da estátua, passou a se chamar Praça Tobias Barreto.

Hoje, apesar de todos os esforços empreendidos por diversas instituições, o bi centenário não pode ser celebrado. Como no Centenário, o impedimento se deveu a pandemia do Covide 19. Assim, as celebrações ficaram restritas aos meios de comunicação, que veicularam ao longo do dia vinhetas comemorativas. Muito pouco, mas...vamos esperar o tri centenário, preferentemente sem pandemia.

Durante muitos anos, a data comemorativa da Independência do Estado, era celebrada em dois momentos, no 8 de julho e no 24 de outubro. Não se sabe ao certo, como foi que o 24 de outubro entrou como sendo uma data comemorativa da independência. Já fiz diversas pesquisas tanto documental, quanto através da história oral. O único registro que localizei diz respeito ao fato de Sergipe ter voltado a condição de independência, como previsto pelo Decreto de 8 de Julho de 1820, uma vez que desde 1822, havíamos voltado à sujeição da Bahia, mas com a expulsão das tropos portuguesas sediadas em Salvador, o governo provisório, no Rio de Janeiro, confirma a autonomia de Sergipe. E essa confirmação ocorre em 24 de outubro de 1824. O que se conclui é que se tratou mais de uma comemoração popular do ato da confirmação da independência do que o ato  oficial. Oficialmente se comemorava no 8 de julho, mas o povo insistia no 24 de outubro.

Durante a elaboração da Constituição do Estado de Sergipe, promulgada em 5 de outubro de 1989, ficou definido que o feriado comemorativo da Independência de Sergipe seria apenas o 8 de julho. Por propositura do então deputado estadual constituinte Marcelo Déda, o 24 de outubro, passou a ser comemorado o Dia da Sergipanidade.

A Independência de Sergipe não transcorreu de forma tranquila, ao contrário, foi um processo lento, repleto de idas e vindas. A Bahia, não admitia a perda do território sergipano, com isso, utilizando-se de sua maior influencia junto ao governo central, consegue protelar, em diversos momentos a efetivação do Decreto Real. Em muitos momentos, seus comandantes, tanto civil quanto militares, fizeram diversas investidas sobre o território sergipano, com invasões e prisões de líderes e governantes. Em 1822, apenas dois anos do Decreto da Independência,  a Bahia invade São Cristóvão e prende o governador da Capitania Carlos Burlamarque, levando-o preso junto com esposa e filhos para Salvador.

Como a Independência de Sergipe está diretamente ligada com a Independência do Brasil, pois as duas são contemporâneas, Sergipe termina se envolvendo em todo o processo que culmina com a Independência do Brasil. Tendo, assim, sido travado em nosso território diversos movimentos pró independência. Tanto a de Sergipe, quanto a do Brasil.

Em síntese, nosso processo de independência se inicia com a Carta Régia de 10 de maio de 1728, transferindo a jurisdição dos moradores da Freguesia de Nossa Senhora de Nazareth ( Bahia ) para o domínio da freguesia do Rio Real de Cima ( Sergipe ); com a Carta Régia de 24 de abril de 1729, a Bahia consegue empurrar as fronteiras de região de Itapoâ para as proximidades do rio Subahuma, mais próxima de Sergipe, impondo uma perda de território que até hoje nos faz falta, uma vez que jamais foi corrigido esse avanço de limites O Decreto de 8 de Julho de 1820, onde o Rei isenta Sergipe da submissão da Bahia. O Decreto da Independência. Por fim, o Decreto de 5 de Dezembro de 1822 que ratifica todos os anteriores. O que, se por um lado, confirma nossa independência, por outro, não modifica os avanços da Bahia sobre o território sergipano, uma vez que tais avanços foram ratificados.

 

                                                                        Milton Barboza da Silva

                                                                                  Historiador


A revolta do Homo Erectus

 

                   Milton Barboza da silva

 

    

 

 

            A espécie humana levou milhares e milhares de anos para se levantar, tornar-se bípede ( andar sobre os dois pés ), foi um longo processo de perdas e aquisições de atributos, tanto anatômicos quanto comportamentais. Olhando-nos caminhando hoje, com desenvoltura, equilibrado sobre os dois pés, aparentemente, parece tarefa fácil e absolutamente natural. Mas não é, não foi e, ao que parece, não será.

            Para reforçar o grau de dificuldade do bipedalismo ( ato de andar sobre dois pés), convém observar como é difícil para um bebê se manter equilibrado, quando engatinhar é tão fácil, tem crianças que parece ligar um turbo enquanto se locomove sobre os joelhos e as mãos. Ressalte-se, ainda, que a curvatura no solado dos pés humanos, foi uma aquisição anatômica imprescindível ao ato de se levantar, que os diga os famosos “pés chatos” , vítimas de uma “tortura” ortopédica durante anos, quando os ortopedistas recomendavam o uso das famigeradas botas para moldar a cava do solado do pé.

            Consta ( assim afirma a Paleontologia, que estuda a evolução dos fósseis que fomos deixando para trás ao longo de milhões de anos ), que os primeiros homens que se cansou de andar de quatro, ou de viver pulando de galho em galho, aconteceu por volta de 4,5 a 5 milhões de anos. Esse nosso parente teria vivido na África, região de Ramideo ( homo ramidius), ele não seria totalmente bípede, pelo menos é o que indica os restos de seu esqueleto, mas que já possuía atributos do bipedarismo. Digamos que quando ele se cansava de andar sobre os pés, não hesitava em voltar a apoiar-se sobre as mãos.

            Agora, a certeza mesmo da existência do homem erectus pleno – o que só andava apoiado sobre os pés -, veio com a descoberta dos fósseis de Lucy, assim chamada porque o paleontólogo que descobriu seus ossos estava ouvindo, no momento do achado em seu fone de ouvidos,  a música Lucy in the Sky with Diamonds, gravada pelos Beatles ( 1967), composição de Lenon/McCarthey. Essa nossa ancestral, classificada de Australopithecus Aferensis, deixa pra lá, vamos chamá-la só de Lucy, possuía todos os requisitos anatômicos de um bipedalismo. A posição de seu crâneo, a coluna em formato de um S delgado, bem como a curvatura do pé, tudo isso indica que ela andava, corria e pulava sobre os pés e não com apoio das mãos.

Isso foi a 4 milhões de anos! Então, eu, você e todos os humanos, temos uma conquista que já dura quatro milhões de anos. Somos bípedes, somos erectus, nossa coluna forma uma curva bem suave,  como se fosse um S longo, para facilitar tudo isso. Portanto, andar em pé, com uma postura erecta é o nosso marco e nossa marca. Não tem volta, a menos que queiramos regredir na evolução, o que seria uma involução. Não dá, fora de cogitação. Porém...

Porém lá na Tanzania, na África Ocidental, em 1952, foi identificado um vírus chamado CHIKV, apelidado de Chikungunya, que em 2005 infectou na India, Indonésia, Maldávia, Mianmar, e na Tailândia quase 2 milhões de pessoas. Em 2007, houve epidemia do CHIKV no norte da Itália e de lá para vários países, incluindo o Brasil. Você já deve está se perguntando, o que a epidemia de Chikungunya tem haver com o tema central de nossa conversa?

Em dialeto maconde, falado pelos povos macondes, que habitam ao norte de Moçambique e no sul da Tanzânia, a palavra Chikungunya significa “ aqueles que se dobram “, que andam encurvado. A postura arqueada que o doente infectado pelo CHIKV         assume durante o estágio mais agudo da infecção, deve-se, segundo os reumatologistas, a inflamações nas articulações, principalmente na região do quadril e nos tornozelos, mas também se espalha entre os dedos das mãos e dos pés. As dores são tão fortes e constantes que o doente não consegue ficar, durante semanas, meses e alguns por anos, em posição erecta. Passa a andar, literalmente encurvado.

Como pode uma injeção subcutânea de uma carga viral, depositada após uma picada de uma fêmea do Aedes aegypti, o mesmo mosquito que transmite a dengue e a zica, colocar em risco tudo o que  conquistamos a 4 milhões de anos atrás? Isso mesmo, uma pessoa infectada pelo vírus da Chikungunya não consegue ficar na posição erecta, quando está sentado, ao se levantar, é forçado a assumir uma posição encurvada, uma vez que suas articulações não respondem. Durante semanas, meses, um ser humano é obrigado a abrir mão de uma conquista de milhões de anos e se curvar diante de um vírus!

Ao que vejo, não se trata apenas de uma curvatura, os vírus têm nos submetido a uma pesada carga, nos últimos tempos, tem custado a vida de milhões de pessoas. Então, quem é mesmo o inimigo do homem? Um ser tão pequeno, que até mesmo nem se sabe se é um ser  vivo ou não, de constituição simples,  que precisar parasitar uma célula para garantir sua replicação, ameaça toda a espécie humana! Ameaça a vida e a postura dos seres humanos, esses sim, complexos.

Por tudo isso, considerando que o Brasil vive hoje, em plena epidemia do CHIKV, porque temos centenas e milhares de pessoas incapacitadas de usufruírem, minimamente uma conquista de milhões de anos, que é andar em uma postura erecta, mas também incapacitadas para realizarem as mais simples tarefas de seu dia a dia, é que conclamo a revolta do homo erectus.

Devemos nos rebelar pelo direito de sermos bípedes, pelo direito de garantir e preservar a conquista do bipedalismo, pelo direito de andar em pé e não encurvado, pelo direito de não nos submetermos a tirania de um ser parasitário. Que nossa rebeldia chegue aos ouvidos das autoridades governamentais, aos laboratórios, às universidades e aos pesquisadores, aos investidores das pesquisas. A pandemia do Covid-19 é uma prova de que quando se unem esforços, uma vacina é descoberta em pouquíssimo tempo.