Apesar
dos dois casos registrados, oficialmente, de cólera em Sergipe, até
agora, podemos assegurar que o Estado se mantém fora do ciclo
epidêmico, constituindo-se numa das raras exceções entre os
Estados Nordestinos. Até quando ficaremos imunes a mais uma das
passagens do vibrião colérico? A que se deve tal imunidade? É uma
incógnita que merece tratamento científico. É possível até que
não tenhamos uma manifestação epidêmica e que o registro não
venha a passar de alguns casos isolados, no entanto, o quadro
sanitário básico de nosso Estado não é animador, mesmo em centros
urbanos – em áreas periféricas -, o perigo de propagação é
real. O sistema de abastecimento de água, em algumas regiões do
Estado, é precário, aproximando-se do primitivismo, some-se a isso
a desinformação nas zonas rurais e urbanas, compondo um quadro
desanimador e que, certamente, compromete os esforços no sentido de
se empreender uma eficaz prevenção e combate ao cólera.
Em
situações como esta, cabe as autoridades governamentais, em seus
vários níveis e instâncias, converterem todos os seus esforços no
sentido de prevenir, conter e erradicar os sinais epidêmicos, como
de resto, atestam os documentos, relatórios e denúncias em todo o
mundo. À comunidade científica nacional compete a tarefa de,
enquanto parte da sociedade civil organizada, velar pelo estado da
população, denunciar, quando as atenções das autoridades não se
fizerem atuantes, e apresentar os caminhos que sirvam de alternativas
à solução das questões, como requer o caso da cólera: as várias
ciência, cada um em seu campo. Assim é que resolvemos colocar a
História a cumprir uma de suas tarefas: dá entendimento aos fatos,
que transcorridos no tempo, podem ensinar-nos a enfrentar situações
atuais.
No
século XIX, pelo menos em duas décadas, o cólera grassou a
Província de Sergipe: a de 50 e de 60. Podemos destacar,
particularmente, aos anos de 1855 e 1863, com sendo os anos de pico
da duas epidemias colérica.
Proveniente
das águas infectas do Ganges, na Índia, o Cólera Morbus entrou no
Brasil em 1855 e antes que chegasse à Província de Sergipe
percorreu um trajeto, passando pelo Pará e Bahia ( 36.000 mortos) e
Alagoas ( 19.000 mortos ). Deixou uma alta taxa de morbidade. Em
Sergipe, a tragédia teve lugar em 1855 ( segundo larga comunicação
entre os vigários das freguesias e os Presidentes da Província e
entre estes e o Governo Imperial), como atesta o grande número de
documentos existentes no Arquivo Público Estadual de Sergipe -
APES.
Grassando,
sobretudo, aquelas Comarcas de maior vulnerabilidade sanitária –
não que houvesse alguma menos susceptível, mas protegidas por “
obra e graça “ da localização geográfica e efeitos
atmosféricos-, as Comarcas de Propriá, Maroim, Laranjeiras, Aracaju
e Estância, bem como seus respectivos distritos e arredores foram
duramente flagelados. Em parecer dado pelo dr. Guilherme Pereira
Rebelo, datado de 1859, sobre a carestia de alimentos naquele ano,
declara: “ segundo cálculos aproximados, o cólera morbus fez
perto de 30.000 vítimas na Província em 1855”.
Em
1856, num total de 78 mortes registradas por doenças
infecto-contagiosas, apenas duas foram atribuídas ao cólera, o que
não deixa de ser um dado surpreendente que, em um ano, tenhamos
aproximadamente 30.000 óbitos, no outro, apenas dois! Tais dados
estatísticos são fornecidos pelos Presidentes da Província,
através da Inspetoria de Saúde e, como tais, são oficiais,
merecendo um estudo comparativo em outra oportunidade. Certo é que a
moléstia arrasou povoações física e psicologicamente, como atesta
o relatório lacônico do dr. Pedro Autran da Motta Albuquerque (
Inspetor de Saúde ), em 1856, sobre o estado de salubridade da
cidade de Laranjeiras: o cólera que entrou em Laranjeiras a 24 de
outubro de 1855: “ se ergueu com a mortalha em uma mão, e
empunhando na outra a foice da morte, encarando a humanidade como seu
mais encarniçado inimigo, fazendo sua marcha sobre montões de
cadáveres – o cólera morbus escolheu a cidade de Larangeiras para
cobri-la com o sudário, e sepultá-la num túmulo...”
Apesar
do flagelo a que foi submetida a população da Província de Sergipe
nestes anos ( 1855 – 56) e do luto que se espalhava, tão
subitamente, convém lembrar que a taxa de morbidade, provocada por
várias outras doenças era tão alta quanto o cólera, e de efeito
muito mais funesto, uma vez que a diarréia, sarampo, varíola, febre
amarela, etc., atacavam, simultaneamente, por vários anos a
Província, morreram 117 pessoas em 20 freguesias, de tal forma que o
cólera era apenas mais uma tragédia para o povo.
De
toda a documentação consultada, no período, ficou evidente a
gravidade da epidemia na Comarca de Propriá, suas vilas e povoados.
Naturalmente que as autoridades, tanto local quanto Provincial,
davam-se conta da gravidade da epidemia, como da vulnerabilidade da
região, no entanto, pouco fazia no sentido de evitar que o flagelo
se abatesse novamente, pois que o cólera retorna em 1863/64. Um mapa
elaborado pelo vigário Manoel Joaquim Novais com demonstrativos
sobre a mortalidade das vítimas do cólera na freguesia de Propriá
até 15 de fevereiro de 1856, dá conta de um total de 1.245 mortos,
sendo 1.115 pessoas livres e 98 escravos.
O
Presidente da Província de Sergipe Joaquim Jacinto de Mendonça faz
publicar a 17 de março de 1862, “ Instruções e Medidas
Sanitárias” onde se ler um conjunto de medidas de prevenção para
impedir a entrada do Cólera na Província, uma vez que já se
encontrava em Maceió. Entretanto, tais medidas não foram além da
criação na Província de Distritos Médicos e de Comissões de
Saúde com atribuições definidas, a saber: “ velar pela saúde no
interior, constituir lazaretos, visitar os cemitérios para
fiscalizar as inumações”. Um ano após, 1863, um Relatório do
mesmo Presidente mostra a explosão do cólera na Província com 70
vítimas em um ano, em Propriá; no ano seguinte, 1864, sobe para
350, conforme dados do Inspetor de Saúde Pública, dr. Francisco
Coelho de Sampaio ( 12.02.1864 )
A
mesma análise feita à Comarca de Propriá poderia ser também
realizada às demais de Norte a Sul, não obstante, vamos nos limitar
a fornecer os números oficias de 5.308 vítimas fatais no ano de
1864, um nº razoável, pois se considerarmos apenas um ano, e que
ainda poderia ser maior, caso os dados estatísticos do período
fossem eficazes.
A
tragédia que as abateu sobre a Província de Sergipe, contribuiu
para mudar, de alguma forma, os hábitos, como o de enterrar pessoas
nas Igrejas – passam a constituir os cemitérios públicos para
tais fins.
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