Lendo e
relendo, o artigo de Luiz Antonio Barreto ( Jornal do Dia, 25 e 26 /
10), sob o título de Leis Mortas, não pude deixar de
observar que o autor, mais uma vez, demonstra sua erudição e zelo
em seus escritos sobre a nossa história e cultura. Do primeiro ao
último parágrafo, do aludido artigo, o autor construiu uma linha
de argumentação em que vai apresentando a história e a evolução
legal da Biblioteca Pública, por um lado, e do Arquivo Público
Estadual, por outro. Ao fim, Barreto chega ao seu objetivo que é o
de mostrar/denunciar que o APES se afastou do “ideário” para o
qual foi criado, melhor, que nunca conseguiu cumprir suas funções,
previstas no escopo legal que o originou, diz: “o ideário de
ser uma casa de memória, naquele sentido previsto nas leis de 1923,
virou letra morta, mesmo com o esforço dos seus dirigentes”.
Ainda que não me
agrade fazê-lo, mas tenho que concordar com o pensamento central de
LAB. No entanto, vou fazer algumas colocações que, no varejo, devem
destoar da tese do citado articulista.
O Arquivo Público
Estadual é um órgão da administração direta cuja função
primordial é a de recolher, tratar, catalogar, guardar e
garantir o acesso a documentação produzida pela administração
publica do Estado de Sergipe. Entendendo o conceito de documentação
em seu significado mais amplo, teremos documentos em diversos
suportes: imagens, sons, microfilmes, impressos, etc. O Arquivo
Público Estadual tem cumprido essa função? Não. O APES é por
definição legal o cabeça de um sistema estadual de arquivos –
SIESAR. Cumpre-se essa designação? Não. O Arquivo recolhe a
documentação que se encontra nos órgãos estaduais, cuja
temporalidade indica que deveria estar sob a sua guarda ? Não. A
manutenção da documentação que se encontra no acervo do APES e
cujo estado de preservação inspira cuidados, por se encontrar em
avançado estado de deterioração, tem sido feita através de um
processo de restauro e manutenção de seu suporte? Não. Tem-se
publicado catálogos, índices, repertórios, ou outros instrumentos
de pesquisa que sirvam para publicisar o acervo? Não. É feito o uso
de tecnologias para digitalização de acervos garantindo um acesso
mais rápido e menos danoso ao suporte original dos documentos. Não.
Pararei por aqui, caso contrário, o rosário não terá fim.
Por tudo que foi dito
acima é que concordo, em parte, com a observação de Luiz Antonio.
No entanto, devo afirmar que, apesar das premissas, o Arquivo
Público Estadual de Sergipe é uma casa de memória. O APES, ao
contrário da Lei, não é uma letra morta, é vivo e imortalizado
nas letras vivas dos pesquisadores sergipanos, brasileiros e
estrangeiros. Podemos constatar a importância da existência do
APES em trabalhos que dispensam comentários, mas apresentarei alguns
para reforço dessa manifestação.
O que seria da obra,
em seu conjunto, da saudosa e recém falecida profª Maria Thétis
Nunes, do também saudoso profº José Silvério Fontes, da profª
Maria da Glória Santana de Almeida, da profª Beatriz Góis Dantas e
de Ibarê Dantas, da profª Terezinha Oliva, Maria Neli Santos, sem o
Acervo do Arquivo Público Estadual de Sergipe? Apenas para ficar
nesses historiadores que tiveram atuação nas últimas três
décadas. Nosso rico e inestimável acervo foi incorporado ao
repertório para a história da escravidão e do índio brasileiros
a partir de um audacioso projeto coordenado pela USP e dos quais
participaram sergipanos e técnicos do APES. Penso que a documentação
do APES está na base de centenas de dissertações de mestrados e
teses de doutorados Brasil a fora, sem falar nas de Sergipe. Penso
nas obras do professor Josué Modesto dos Passos Subrinho, de Luiz
Roberto Mott e na obra do próprio Luiz Antonio Barreto, sem o
acervo do APES. Simplesmente não teriam a mesma envergadura!
Contudo, afirmo, o
APES existe como patrimônio cultural de Sergipe, apesar das
autoridades que passaram pela pasta da cultura e, por extensão,
pelos governos, que pouco ou nada fizeram para solucionar problemas
estruturais do Arquivo.
Nos últimos trinta
anos, pouco mais, registramos apenas duas intervenções dignas de
notas: a primeira, no governo Paulo Barreto de Menezes, quando se
determinou que “ as Secretarias Estaduais, as Repartições do
Estado, os órgãos de Administração Indireta, as Autarquias
Estaduais, as Prefeituras e os Cartórios deverão recolher ao
Arquivo Público Estadual seus Acervos de documentos” ( Decreto
2.080 / 71, Art. 2º); a segunda, já no governo de José Rollemberg
Leite, foi criado o Sistema Estadual de Arquivos ( SIESAR), pela Lei
2.202/78, onde diz que o sistema foi criado com a “ finalidade
de assegurar a proteção e a preservação de documentos do Poder
Público, pelo seu valor histórico ou por interesse da comunidade”.
( Art. 1º), para em seu Art. 3º instituir o Arquivo Público
com Órgão Central do Sistema. Como cabeça do SIESAR, compete ao
APES estabelecer princípios, diretrizes, normas e métodos sobre
organização e funcionamento das atividades de arquivo intermediário
e permanente” ( Art. 4º).
Até disposição em
contrário, tanto o Decreto 2.080/71, quanto a Lei 2.202, ainda estão
em vigência. O que me causa espanto, no tocante a legislação
citada é que, nos últimos vinte anos, aproximadamente, quando os
gestores são cobrados quanto ao cumprimento das referidas Leis, há
quase uma unanimidade em afirmar que se trata de uma legislação
antiquada e que é necessário ajustá-la aos tempos atuais. Mas
nenhuma iniciativa é demandada nesse sentido! Assim, até provar em
contrário, as duas Leis estão em plena vigência.
Nos
últimos 18 anos, estive responsável pela seção de Arquivo
Permanente do APES, esse setor é o responsável direto pela
documentação da instituição – em tempo, não estou mais no
Arquivo Público Estadual. Durante esse tempo, estivemos fazendo um
trabalho que não era visto, apesar da exígua equipe de trabalho,
nem era para ser visto mesmo, mas fruto desse trabalho silencioso,
contínuo e anônimo, foi possível garantir que parte da
documentação, que ainda não estava deteriorada não se perdesse.
Abrimos cada pacotilha de seu acervo: uma a uma - são milhares-,
trocamos suporte e identificamos possíveis danos. Pessoalmente,
recuperei centenas de documentos, transcrevi de próprio punho
volumes inteiros de textos que de outra forma nunca mais seriam lidos
pelos pesquisadores. Mas recentemente, com ajuda de tecnologia
digitalizei dezenas de documentos numa tentativa de salvar a
informação. Na maioria das vezes, sem os equipamentos adequados,
porque inexistentes no órgão.
Elaborei diagnósticos,
fiz pareceres técnicos, apresentei projetos para solucionar
problemas do acervo, todos endereçados aos diretores que passaram
pelo Arquivo ou aos Secretários de Estado da Cultura, mas, nunca
obtive respostas, quando muito, a resposta vinha em forma de uma
reforma no prédio do Palácio Carvalho Neto, sede do APES, no que
agradecia, mas não resolvia.
Apesar de tudo isso, o
Arquivo Público Estadual é uma letra viva, pois vive na memória
científica de Sergipe e do Brasil. O APES é uma prova inconteste
que a cultura vive e sobrevive com ou sem investimentos públicos,
pois o investimento para o setor de Arquivo nos últimos 30 anos, em
Sergipe foi zero. Mas o nosso patrimônio arquivístico está erguido
nas letras da ciência histórica que é viva.
Milton Barboza da
Silva
Historiador e
Professor universitário
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