segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Notícias sobre as teorias explicativas do Universo




         Tempos atrás, durante um curso de Pós-Graduação, onde ministrava uma disciplina relacionada com a prática do ensino da História, fui abordado por um aluno sobre a dificuldade que ele sentia, enquanto professor, para tratar de assuntos como a Origem do Universo. Daí surgiu a necessidade deste texto, como proposta para iniciar uma discussão com os aluno sobre a temática.
A curiosidade humana sobre a origem, evolução e destino do Universo tem suscitado, ao longo do tempo, valorosos debates que transitam do campo mitológico para o teológico e deste para o filosófico, sendo que hoje o debate foi transferido para a ciência, a exemplo da Cosmologia, Astronomia, Física, Matemática, bem como a Astrofísica. Como podemos deduzir, a discussão foi transferida para o âmbito da ciência experimental e teórica. Apesar disso, muitas das afirmações e muito do que sabemos sobre o Universo, não passa de especulações, mesmo quando a especulação parte de uma pretensa afirmação científica, pois faltam os instrumentos e os recursos comprobatórios das pesquisas cosmológicas, tão necessários à observação.[i]
            O que tem “retardado” o desenvolvimento dos conhecimentos científicos sobre o Universo? Na verdade, não podemos falar em retardamento, em sentido estrito, apenas em sua compreensão mais larga, como atestam o que já foi conquistado pela ciência em afirmações e teorias comprovadas, tais como: a teoria Heliocêntrica, Copérnico; Lei da Gravitação, Newton; Relatividade Geral, Einstein; Expansão do Universo, Edwin Hubble; Radiação cósmica de fundo, George Gamow; A idéia de que se o Universo teve um princípio, então terá um fim, Stephen Hawking. Tudo isso e muito mais, não é pouco! Ao contrário, caminhamos mais nos últimos 400 anos de pesquisas sobre o Cosmos do que em milênios de especulações que antecederam os quatros últimos séculos. No entanto, quando falamos em atraso do conhecimento sobre o Universo, queremos indagar o por quê de não se fazer afirmações mais conclusivas sobre sua origem e natureza, como de resto se faz em outros campos do saber  científico!
            Atribuímos tal resistência, isto é, a morosidade das afirmações cosmológicas, ao fato de que as observações sobre o cosmos serem prejudicadas devido as grandezas das medidas universais, tais como distância, temperatura, geometria ( geo ???) e topografia espaciais.[ii] Essas grandezas estão muito além do que os nossos equipamentos de observação conseguem captar. Além disso, ainda temos que enfrentar uma espécie de camisa de força sobre a nossa capacidade mental, trata-se de estarmos limitados à noção de tempo e espaço terrestres e termos que lidar com dimensões que extrapolam toda a referência temporal e espacial.[iii]
            Não obstante as considerações a cima, já podemos nos indagar e obtermos respostas, com uma certa margem de segurança, sobre como surgiu o Universo? O Universo está pronto e acabado, ou está em constante expansão? Há fronteiras no Universo? Um dia o Universo terá fim? O que são os buracos negros? E tantas outras questões que já podemos vislumbrar uma comprovação empírica acerca de suas respostas.
            A questão elementar no estudo sobre o cosmos é a de sua origem. Para explicar a origem do Universo vários modelos já foram testados, mas o mais aceito é o do Big Bang. Este modelo foi elaborado em 1922, obtido como solução das equações da relatividade geral, nos estudos de Alexandre Friedmann( físico Russo ), cuja consequência mais importante deste paradigma foi a de concluir que o Universo está em expansão ( Hubble )[iv]. O modelo explicativo da origem do universo a partir do Big Bang, apesar de ser nóvel, segue o esquema o esquema teórico de Copérnico, segundo o qual o universo é de natureza homogênea. Assim, só se pode conceber um ponto de onde o universo teria se originado, caso consideremos sua homogeneidade, do contrário, teríamos que adotarmos outro modelo que partiria da ideia de múltiplos pontos de origem, sendo o universo, portanto, heterogêneo[v].
            O Big Bang, ou a grande explosão, que deu origem ao universo ocorreu em um ponto qualquer, não em um espaço determinado, até porque esse espaço não existia, fora criado no ato da explosão, num instante zero ( t= 0 ). É, literalmente, o início dos tempos – ou o tempo. O que teria provocado o grande estouro? Bem, gostaríamos de saber, por enquanto temos que nos contentar apenas com o entendimento de seu funcionamento, digo, da singularidade dessa explosão: “ tudo “ foi concentrado num único ponto com imensa densidade e temperatura inimagináveis e, de repente, desse ponto tudo explode, e tudo isso teria ocorrido a aproximadamente quinze bilhões de anos. Para termos uma vaga ideia dessa explosão, basta considerarmos que a luminosidade ( radiação de fundo ) proveniente do estouro ainda continua no cosmos, nas suas “ bordas “ de expansão, bem como o som originado por ela ainda viaja pelo espaço infinito[vi].
Milton Barboza da Silva
Curso de Prática do Ensino da História
Março de 1997




[i] Para se ter uma noção da fragilidade da compreensão dos estudos cosmológicos, lembremos que a distância entre o Sol e a Terra é de apenas 150 milhões de Km; que as distâncias cósmicas são medidas em megaparsecs onde 1 mgp é da ordem de 30.000.000.000.000.000 de Km; que o tempo que uma estrela de  nêutron ou uma anã branca levaria para se transformar em um buraco negro é de 101000 anos, ou seja, o número 1 seguidos de mil zeros. Isso tudo é demais para a captação atual dos instrumentos a disposição do homem.
[ii] Vide nota 01
[iii] A única maneira que teríamos para representar geometricamente o cosmos em três dimensões, porém precisaríamos estarem quatri dimensões, pois somente alguém que se encontre na quarta dimensão conseguiria representar um objeto tridimensionalmente, assim, a topografia do universo fica prejudicada por essa impossibilidade espacial e temporal.
[iv] A expansão do universo foi comprovada por Edwin Hubble, em 1930, que aplicando o efeito de Doppler ( segundo o qual quando as Galaxias se afastam fazem com que o espectro [cores ] variam do tom violeta ao vermelho ), Hubble concluiu que quanto mais distantes as galáxias mais avermelhadas elas ficam.
[v] Na verdade, não podemos ainda afirmar, categoricamente, que o universo seja homogêneo ou heterogêneo. Trata-se de modelos teóricos que podem se ajustar a um ou outro sistema de pensamento cosmológico. No fundo não importa muito, isto é, não alteraria fundamentalmente as conclusões dai advindas.
[vi] Recentemente a NASA afirmou ter gravado um som que seria o eco dessa explosão.           

quinta-feira, 27 de agosto de 2015

ARQUIVO PÚBLICO ESTADUAL: UMA CASA DE MEMÓRIA






Lendo e relendo, o artigo de Luiz Antonio Barreto ( Jornal do Dia, 25 e 26 / 10), sob o título de Leis Mortas, não pude deixar de observar que o autor, mais uma vez, demonstra sua erudição e zelo em seus escritos sobre a nossa história e cultura. Do primeiro ao último parágrafo, do aludido artigo, o autor construiu uma linha de argumentação em que vai apresentando a história e a evolução legal da Biblioteca Pública, por um lado, e do Arquivo Público Estadual, por outro. Ao fim, Barreto chega ao seu objetivo que é o de mostrar/denunciar que o APES se afastou do “ideário” para o qual foi criado, melhor, que nunca conseguiu cumprir suas funções, previstas no escopo legal que o originou, diz: “o ideário de ser uma casa de memória, naquele sentido previsto nas leis de 1923, virou letra morta, mesmo com o esforço dos seus dirigentes”.
Ainda que não me agrade fazê-lo, mas tenho que concordar com o pensamento central de LAB. No entanto, vou fazer algumas colocações que, no varejo, devem destoar da tese do citado articulista.
O Arquivo Público Estadual é um órgão da administração direta cuja função primordial é a de recolher, tratar, catalogar, guardar e garantir o acesso a documentação produzida pela administração publica do Estado de Sergipe. Entendendo o conceito de documentação em seu significado mais amplo, teremos documentos em diversos suportes: imagens, sons, microfilmes, impressos, etc. O Arquivo Público Estadual tem cumprido essa função? Não. O APES é por definição legal o cabeça de um sistema estadual de arquivos – SIESAR. Cumpre-se essa designação? Não. O Arquivo recolhe a documentação que se encontra nos órgãos estaduais, cuja temporalidade indica que deveria estar sob a sua guarda ? Não. A manutenção da documentação que se encontra no acervo do APES e cujo estado de preservação inspira cuidados, por se encontrar em avançado estado de deterioração, tem sido feita através de um processo de restauro e manutenção de seu suporte? Não. Tem-se publicado catálogos, índices, repertórios, ou outros instrumentos de pesquisa que sirvam para publicisar o acervo? Não. É feito o uso de tecnologias para digitalização de acervos garantindo um acesso mais rápido e menos danoso ao suporte original dos documentos. Não. Pararei por aqui, caso contrário, o rosário não terá fim.
Por tudo que foi dito acima é que concordo, em parte, com a observação de Luiz Antonio. No entanto, devo afirmar que, apesar das premissas, o Arquivo Público Estadual de Sergipe é uma casa de memória. O APES, ao contrário da Lei, não é uma letra morta, é vivo e imortalizado nas letras vivas dos pesquisadores sergipanos, brasileiros e estrangeiros. Podemos constatar a importância da existência do APES em trabalhos que dispensam comentários, mas apresentarei alguns para reforço dessa manifestação.
O que seria da obra, em seu conjunto, da saudosa e recém falecida profª Maria Thétis Nunes, do também saudoso profº José Silvério Fontes, da profª Maria da Glória Santana de Almeida, da profª Beatriz Góis Dantas e de Ibarê Dantas, da profª Terezinha Oliva, Maria Neli Santos, sem o Acervo do Arquivo Público Estadual de Sergipe? Apenas para ficar nesses historiadores que tiveram atuação nas últimas três décadas. Nosso rico e inestimável acervo foi incorporado ao repertório para a história da escravidão e do índio brasileiros a partir de um audacioso projeto coordenado pela USP e dos quais participaram sergipanos e técnicos do APES. Penso que a documentação do APES está na base de centenas de dissertações de mestrados e teses de doutorados Brasil a fora, sem falar nas de Sergipe. Penso nas obras do professor Josué Modesto dos Passos Subrinho, de Luiz Roberto Mott e na obra do próprio Luiz Antonio Barreto, sem o acervo do APES. Simplesmente não teriam a mesma envergadura!

Contudo, afirmo, o APES existe como patrimônio cultural de Sergipe, apesar das autoridades que passaram pela pasta da cultura e, por extensão, pelos governos, que pouco ou nada fizeram para solucionar problemas estruturais do Arquivo.
Nos últimos trinta anos, pouco mais, registramos apenas duas intervenções dignas de notas: a primeira, no governo Paulo Barreto de Menezes, quando se determinou que “ as Secretarias Estaduais, as Repartições do Estado, os órgãos de Administração Indireta, as Autarquias Estaduais, as Prefeituras e os Cartórios deverão recolher ao Arquivo Público Estadual seus Acervos de documentos” ( Decreto 2.080 / 71, Art. 2º); a segunda, já no governo de José Rollemberg Leite, foi criado o Sistema Estadual de Arquivos ( SIESAR), pela Lei 2.202/78, onde diz que o sistema foi criado com a “ finalidade de assegurar a proteção e a preservação de documentos do Poder Público, pelo seu valor histórico ou por interesse da comunidade”. ( Art. 1º), para em seu Art. 3º instituir o Arquivo Público com Órgão Central do Sistema. Como cabeça do SIESAR, compete ao APES estabelecer princípios, diretrizes, normas e métodos sobre organização e funcionamento das atividades de arquivo intermediário e permanente” ( Art. 4º).
Até disposição em contrário, tanto o Decreto 2.080/71, quanto a Lei 2.202, ainda estão em vigência. O que me causa espanto, no tocante a legislação citada é que, nos últimos vinte anos, aproximadamente, quando os gestores são cobrados quanto ao cumprimento das referidas Leis, há quase uma unanimidade em afirmar que se trata de uma legislação antiquada e que é necessário ajustá-la aos tempos atuais. Mas nenhuma iniciativa é demandada nesse sentido! Assim, até provar em contrário, as duas Leis estão em plena vigência.
Nos últimos 18 anos, estive responsável pela seção de Arquivo Permanente do APES, esse setor é o responsável direto pela documentação da instituição – em tempo, não estou mais no Arquivo Público Estadual. Durante esse tempo, estivemos fazendo um trabalho que não era visto, apesar da exígua equipe de trabalho, nem era para ser visto mesmo, mas fruto desse trabalho silencioso, contínuo e anônimo, foi possível garantir que parte da documentação, que ainda não estava deteriorada não se perdesse. Abrimos cada pacotilha de seu acervo: uma a uma - são milhares-, trocamos suporte e identificamos possíveis danos. Pessoalmente, recuperei centenas de documentos, transcrevi de próprio punho volumes inteiros de textos que de outra forma nunca mais seriam lidos pelos pesquisadores. Mas recentemente, com ajuda de tecnologia digitalizei dezenas de documentos numa tentativa de salvar a informação. Na maioria das vezes, sem os equipamentos adequados, porque inexistentes no órgão.

Elaborei diagnósticos, fiz pareceres técnicos, apresentei projetos para solucionar problemas do acervo, todos endereçados aos diretores que passaram pelo Arquivo ou aos Secretários de Estado da Cultura, mas, nunca obtive respostas, quando muito, a resposta vinha em forma de uma reforma no prédio do Palácio Carvalho Neto, sede do APES, no que agradecia, mas não resolvia.
Apesar de tudo isso, o Arquivo Público Estadual é uma letra viva, pois vive na memória científica de Sergipe e do Brasil. O APES é uma prova inconteste que a cultura vive e sobrevive com ou sem investimentos públicos, pois o investimento para o setor de Arquivo nos últimos 30 anos, em Sergipe foi zero. Mas o nosso patrimônio arquivístico está erguido nas letras da ciência histórica que é viva.

Milton Barboza da Silva

Historiador e Professor universitário

A trajetória do Cólera Morbus em Sergipe, séc. XIX e XX - Parte II





Apesar dos dois casos registrados, oficialmente, de cólera em Sergipe, até agora, podemos assegurar que o Estado se mantém fora do ciclo epidêmico, constituindo-se numa das raras exceções entre os Estados Nordestinos. Até quando ficaremos imunes a mais uma das passagens do vibrião colérico? A que se deve tal imunidade? É uma incógnita que merece tratamento científico. É possível até que não tenhamos uma manifestação epidêmica e que o registro não venha a passar de alguns casos isolados, no entanto, o quadro sanitário básico de nosso Estado não é animador, mesmo em centros urbanos – em áreas periféricas -, o perigo de propagação é real. O sistema de abastecimento de água, em algumas regiões do Estado, é precário, aproximando-se do primitivismo, some-se a isso a desinformação nas zonas rurais e urbanas, compondo um quadro desanimador e que, certamente, compromete os esforços no sentido de se empreender uma eficaz prevenção e combate ao cólera.
Em situações como esta, cabe as autoridades governamentais, em seus vários níveis e instâncias, converterem todos os seus esforços no sentido de prevenir, conter e erradicar os sinais epidêmicos, como de resto, atestam os documentos, relatórios e denúncias em todo o mundo. À comunidade científica nacional compete a tarefa de, enquanto parte da sociedade civil organizada, velar pelo estado da população, denunciar, quando as atenções das autoridades não se fizerem atuantes, e apresentar os caminhos que sirvam de alternativas à solução das questões, como requer o caso da cólera: as várias ciência, cada um em seu campo. Assim é que resolvemos colocar a História a cumprir uma de suas tarefas: dá entendimento aos fatos, que transcorridos no tempo, podem ensinar-nos a enfrentar situações atuais.
No século XIX, pelo menos em duas décadas, o cólera grassou a Província de Sergipe: a de 50 e de 60. Podemos destacar, particularmente, aos anos de 1855 e 1863, com sendo os anos de pico da duas epidemias colérica.
Proveniente das águas infectas do Ganges, na Índia, o Cólera Morbus entrou no Brasil em 1855 e antes que chegasse à Província de Sergipe percorreu um trajeto, passando pelo Pará e Bahia ( 36.000 mortos) e Alagoas ( 19.000 mortos ). Deixou uma alta taxa de morbidade. Em Sergipe, a tragédia teve lugar em 1855 ( segundo larga comunicação entre os vigários das freguesias e os Presidentes da Província e entre estes e o Governo Imperial), como atesta o grande número de documentos existentes no Arquivo Público Estadual de Sergipe - APES.
Grassando, sobretudo, aquelas Comarcas de maior vulnerabilidade sanitária – não que houvesse alguma menos susceptível, mas protegidas por “ obra e graça “ da localização geográfica e efeitos atmosféricos-, as Comarcas de Propriá, Maroim, Laranjeiras, Aracaju e Estância, bem como seus respectivos distritos e arredores foram duramente flagelados. Em parecer dado pelo dr. Guilherme Pereira Rebelo, datado de 1859, sobre a carestia de alimentos naquele ano, declara: “ segundo cálculos aproximados, o cólera morbus fez perto de 30.000 vítimas na Província em 1855”.
Em 1856, num total de 78 mortes registradas por doenças infecto-contagiosas, apenas duas foram atribuídas ao cólera, o que não deixa de ser um dado surpreendente que, em um ano, tenhamos aproximadamente 30.000 óbitos, no outro, apenas dois! Tais dados estatísticos são fornecidos pelos Presidentes da Província, através da Inspetoria de Saúde e, como tais, são oficiais, merecendo um estudo comparativo em outra oportunidade. Certo é que a moléstia arrasou povoações física e psicologicamente, como atesta o relatório lacônico do dr. Pedro Autran da Motta Albuquerque ( Inspetor de Saúde ), em 1856, sobre o estado de salubridade da cidade de Laranjeiras: o cólera que entrou em Laranjeiras a 24 de outubro de 1855: “ se ergueu com a mortalha em uma mão, e empunhando na outra a foice da morte, encarando a humanidade como seu mais encarniçado inimigo, fazendo sua marcha sobre montões de cadáveres – o cólera morbus escolheu a cidade de Larangeiras para cobri-la com o sudário, e sepultá-la num túmulo...”
Apesar do flagelo a que foi submetida a população da Província de Sergipe nestes anos ( 1855 – 56) e do luto que se espalhava, tão subitamente, convém lembrar que a taxa de morbidade, provocada por várias outras doenças era tão alta quanto o cólera, e de efeito muito mais funesto, uma vez que a diarréia, sarampo, varíola, febre amarela, etc., atacavam, simultaneamente, por vários anos a Província, morreram 117 pessoas em 20 freguesias, de tal forma que o cólera era apenas mais uma tragédia para o povo.
De toda a documentação consultada, no período, ficou evidente a gravidade da epidemia na Comarca de Propriá, suas vilas e povoados. Naturalmente que as autoridades, tanto local quanto Provincial, davam-se conta da gravidade da epidemia, como da vulnerabilidade da região, no entanto, pouco fazia no sentido de evitar que o flagelo se abatesse novamente, pois que o cólera retorna em 1863/64. Um mapa elaborado pelo vigário Manoel Joaquim Novais com demonstrativos sobre a mortalidade das vítimas do cólera na freguesia de Propriá até 15 de fevereiro de 1856, dá conta de um total de 1.245 mortos, sendo 1.115 pessoas livres e 98 escravos.
O Presidente da Província de Sergipe Joaquim Jacinto de Mendonça faz publicar a 17 de março de 1862, “ Instruções e Medidas Sanitárias” onde se ler um conjunto de medidas de prevenção para impedir a entrada do Cólera na Província, uma vez que já se encontrava em Maceió. Entretanto, tais medidas não foram além da criação na Província de Distritos Médicos e de Comissões de Saúde com atribuições definidas, a saber: “ velar pela saúde no interior, constituir lazaretos, visitar os cemitérios para fiscalizar as inumações”. Um ano após, 1863, um Relatório do mesmo Presidente mostra a explosão do cólera na Província com 70 vítimas em um ano, em Propriá; no ano seguinte, 1864, sobe para 350, conforme dados do Inspetor de Saúde Pública, dr. Francisco Coelho de Sampaio ( 12.02.1864 )
A mesma análise feita à Comarca de Propriá poderia ser também realizada às demais de Norte a Sul, não obstante, vamos nos limitar a fornecer os números oficias de 5.308 vítimas fatais no ano de 1864, um nº razoável, pois se considerarmos apenas um ano, e que ainda poderia ser maior, caso os dados estatísticos do período fossem eficazes.

A tragédia que as abateu sobre a Província de Sergipe, contribuiu para mudar, de alguma forma, os hábitos, como o de enterrar pessoas nas Igrejas – passam a constituir os cemitérios públicos para tais fins.  

Ações Culturais: gestão da informação


Ações Culturais: gestão da informação


Entre o conjunto de ações culturais que o Governo precisa adotar, com atraso de décadas, está a de apresentar uma política estadual de arquivos. Mas do que isso, o governo precisa elaborar uma política de administração de documentação e da informação. Nenhum governo, estenda-se a afirmação para o país como um todo, em tempo algum de nossa história, salvo em raras exceções, teve uma preocupação com a implantação de uma gestão de documentos. Não temos essa preocupação em nenhuma das esferas, federal, estadual e municipal. Não por falta de entendimento, nem por falta de conhecimento ou de domínio de tecnologia da informação, pois estamos bem supridos em todos os campos, temos soluções domésticas de alto nível.
A situação é de um descaso perigoso, embora compreensível, pois uma boa gestão de documentos, implicará numa maior transparência das ações dos gestores da coisa pública, e, como sabemos, transparência é algo temido no Brasil. Se se pode dificultar porque facilitar...
Mas, a produção documental é a prática diária dos governos. O  volume de documentos produzidos, dia a dia é quilométrico, como se pode imaginar que se pode desconsiderar a importância de uma boa gestão dessa produção? Sabemos que a História das sociedades,  a  muito,  que é feita tendo como referência a noção de informação documental – entendendo como documento o seu significado mais amplo, textual, fonográfico, imagético-, então, como os governos podem trabalhar com a ideia simplista de que apenas mandando arquivar o ofício está garantida sua existência e acessibilidade?
Os arquivos setoriais são inexistentes, ou quando existem são ineficientes, inoperantes ou simplesmente não servem para nada. Pior, quando um órgão é extinto, seu conjunto documental é deixado para trás, até que uma mente iluminada tenha a ideia de dar um destino a documentação da instituição extinta, mas quase sempre por se tratar de um estorvo e porque necessita do espaço ocupado pelo monte de papéis velhos que ali se encontra. É lamentável.
Pode se fazer muito e rapidamente resolver essa situação, não se pode recuperar o que já foi perdido, mas se pode evitar a perda atual e de agora em diante, mas as autoridades continuam a fazer-se de surdas, ou não entendem o significado e a importância da questão. Pior para o povo.
Mas uma vez, como em outros segmentos, o problema não é a falta de uma legislação. Nesse caso, já temos uma legislação abundante, muito boa e que não deixa nada a desejar ao corpo legislativo dos centros mais avançados como o Canadá e a Alemanha. Estudando e aplicando o direito comparado, percebe-se que a legislação brasileira desde FHC até Lula, para a gestão da documentação é pari passus com a legislação dos maiores centros e o que falta é facilmente corrigível. Então o que falta? O de sempre: vontade política.
É fato que a legislação do estado de Sergipe está desatualizada ( 1978/79), mas, nada que não se resolva em pouco tempo, até porque não se vai reinventar a pólvora, uma vez que a legislação federal já aponta para onde a estadual precisa ir.

 Por tudo isso, o Estado de Sergipe tem ficado atrás de outros estados quando se trata de políticas públicas voltada para gestão da informação. Para corrigir o rumo, precisamos: a- fazer uma revisão da legislação estadual, adequando-a às modernas legislações que surgiram nos últimos 20 anos; b- implantar o SIESAR – Sistema Estadual de Arquivo; c- Criar a Comissão Estadual de Arquivos; d- transferir o Arquivo Público para a esfera da administração, ou casa civil; e- por ultimo, elaborar a política estadual de arquivos.


                                                                                  Aracaju, março de 2011.

Por uma política cultural I


Uma rápida incursão pela história recente do Brasil nos revela uma inconsistência no que concerne aos planos de desenvolvimento levados a efeito pelos governos, principalmente na esfera federal. Pensar o Brasil, em toda a sua diversidade, reinventar as práticas diretivas e trazer à discussão um projeto para a Nação brasileira, não fez parte de uma agenda de governo dos grupos que se sucederam nos últimos vinte anos de nossa recente história.
Nesses dez meses do governo de Marcelo Déda estive, como espectador/participante, aguardando pela definição de um conjunto de políticas, próprias a um governo em início de gestão. Afora o lugar comum de que é preciso dá tempo para o governo e de que não se corrige erros históricos em tão pouco tempo, não fiz coro entre os que apontavam para uma e outra situação. Apenas observei e fiz o que julguei correto: observar, avaliar e acompanhar as ações. Agora está na hora de falar. Falarei.
Tem uma coisa que nunca entendi, ou acho que nunca quis entender: por que um grupo político de um Estado tão pequeno, elabora um projeto de chegar ao poder que se arrasta por mais de uma década, chega ao poder e não tem um projeto de governo, um conjunto de ações prontas para apresentar à sociedade? Que o grupo necessita de um tempo para se “ familiarizar ” com a máquina administrativa é admissível, mas que não tenha um projeto para contrapor ao (falta) projeto anterior, é incompreensível!
A única coisa que o bom senso me alerta é para o fato de que o governo foi tomado de susto e que não existia um programa de governo elaborado, cuidadosamente, e, que tudo foi se construindo ao longo desses 10 meses. Aparentemente tudo normal, mas não é.
Não usarei esse espaço para uma análise conjuntural do Governo Marcelo Déda, pois não tenho condições técnicas, nem informações para tanto. Mas, ocuparei esse espaço para realizar algumas reflexões a respeito do lugar que a Cultura ocupa na gestão do atual governo.
Qual é o nó que percebo no atual governo, até agora? A inexistência de uma política cultural. Não me refiro a ações isoladas, administrativas ou de eventos. Não, refiro-me àquele conjunto de ações inspiradas em princípios que nortearão as ações públicas em geral, pois não se concebe uma política cultural isoladamente; não se concebe um conjunto de ações culturais dissociados das demais ações.
A cultura não é um substrato que possa ser abstraído e, com precisão cirúrgica, proceder a reparos ou correções, como plástica corrigindo rusgas. A cultura se constrói em um continuado movimento da fazeres / afazeres dos povos, da comunidade, de grupos.
O papel do gestor cultural, no âmbito do Estado, é compatível ao papel do gestor econômico, administrativo, educacional, tributário, etc. O gestor cultural, na esfera governamental, é um executivo das políticas públicas, dos programas governamentais – quando esses existem.
A cultura sempre existiu, existe e continuará a existir, independente de sistemas e formas de governos; a cultura existe apesar dos governos.
A simples existência de um Ministério da Cultura ou de uma Secretaria de Cultura é uma prova inconteste da incompreensão do significado da cultura.
Por conceito, a cultura é trasministerial, nunca deveria existir uma ação, onde quer que haja, seja qual for a esfera governamental, que não contemplasse o alcance cultural dessa ação.
A existência de um Ministério ou de uma Secretaria da cultura cria uma situação, no mínimo esquisita, entre os gestores de outras pastas: a de se achar que tal ou qual medida não afeta a vida cultural de um povo; ou de se eximir dessas mesmas ações, pois, afinal, existe a pasta da Cultura. Assim, esses entes administrativos se tornam em agentes públicos de promoção de eventos e espetáculos, quando muito de promotores de ações que contemplam o interesse de um determinado segmento.
Quanto de recurso público seria necessário e ideal para uma pasta da cultura? O muito seria pouco e o pouco pode ser incrivelmente muito!
Imaginemos uma situação: se cada município brasileiro resolvesse reivindicar uma biblioteca, um teatro, um museu, um arquivo, quanto seria necessário para a implantação desses bens culturais? Quanto seria necessário para sua manutenção em todos os municípios? Com certeza que bem mais que os orçamentos destinam para a cultura.
Agora imaginemos outra situação: se os governos resolvessem investir em grupos folclóricos, em manifestações populares as mais variadas, entre outros, quanto que seria necessário? Bem menos do que o que se gasta hoje.
Dessa forma, a questão orçamentária, sem minimizá-la, mas é apenas uma questão, sem ao menos ser a mais importante das questões para a gestão da cultura. Falarei sobre o orçamento para a Cultura em outro artigo.

Aracaju, junho de 2008