quinta-feira, 6 de agosto de 2020

A revolta do Homo Erectus

 

                   Milton Barboza da silva

 

    

 

 

            A espécie humana levou milhares e milhares de anos para se levantar, tornar-se bípede ( andar sobre os dois pés ), foi um longo processo de perdas e aquisições de atributos, tanto anatômicos quanto comportamentais. Olhando-nos caminhando hoje, com desenvoltura, equilibrado sobre os dois pés, aparentemente, parece tarefa fácil e absolutamente natural. Mas não é, não foi e, ao que parece, não será.

            Para reforçar o grau de dificuldade do bipedalismo ( ato de andar sobre dois pés), convém observar como é difícil para um bebê se manter equilibrado, quando engatinhar é tão fácil, tem crianças que parece ligar um turbo enquanto se locomove sobre os joelhos e as mãos. Ressalte-se, ainda, que a curvatura no solado dos pés humanos, foi uma aquisição anatômica imprescindível ao ato de se levantar, que os diga os famosos “pés chatos” , vítimas de uma “tortura” ortopédica durante anos, quando os ortopedistas recomendavam o uso das famigeradas botas para moldar a cava do solado do pé.

            Consta ( assim afirma a Paleontologia, que estuda a evolução dos fósseis que fomos deixando para trás ao longo de milhões de anos ), que os primeiros homens que se cansou de andar de quatro, ou de viver pulando de galho em galho, aconteceu por volta de 4,5 a 5 milhões de anos. Esse nosso parente teria vivido na África, região de Ramideo ( homo ramidius), ele não seria totalmente bípede, pelo menos é o que indica os restos de seu esqueleto, mas que já possuía atributos do bipedarismo. Digamos que quando ele se cansava de andar sobre os pés, não hesitava em voltar a apoiar-se sobre as mãos.

            Agora, a certeza mesmo da existência do homem erectus pleno – o que só andava apoiado sobre os pés -, veio com a descoberta dos fósseis de Lucy, assim chamada porque o paleontólogo que descobriu seus ossos estava ouvindo, no momento do achado em seu fone de ouvidos,  a música Lucy in the Sky with Diamonds, gravada pelos Beatles ( 1967), composição de Lenon/McCarthey. Essa nossa ancestral, classificada de Australopithecus Aferensis, deixa pra lá, vamos chamá-la só de Lucy, possuía todos os requisitos anatômicos de um bipedalismo. A posição de seu crâneo, a coluna em formato de um S delgado, bem como a curvatura do pé, tudo isso indica que ela andava, corria e pulava sobre os pés e não com apoio das mãos.

Isso foi a 4 milhões de anos! Então, eu, você e todos os humanos, temos uma conquista que já dura quatro milhões de anos. Somos bípedes, somos erectus, nossa coluna forma uma curva bem suave,  como se fosse um S longo, para facilitar tudo isso. Portanto, andar em pé, com uma postura erecta é o nosso marco e nossa marca. Não tem volta, a menos que queiramos regredir na evolução, o que seria uma involução. Não dá, fora de cogitação. Porém...

Porém lá na Tanzania, na África Ocidental, em 1952, foi identificado um vírus chamado CHIKV, apelidado de Chikungunya, que em 2005 infectou na India, Indonésia, Maldávia, Mianmar, e na Tailândia quase 2 milhões de pessoas. Em 2007, houve epidemia do CHIKV no norte da Itália e de lá para vários países, incluindo o Brasil. Você já deve está se perguntando, o que a epidemia de Chikungunya tem haver com o tema central de nossa conversa?

Em dialeto maconde, falado pelos povos macondes, que habitam ao norte de Moçambique e no sul da Tanzânia, a palavra Chikungunya significa “ aqueles que se dobram “, que andam encurvado. A postura arqueada que o doente infectado pelo CHIKV         assume durante o estágio mais agudo da infecção, deve-se, segundo os reumatologistas, a inflamações nas articulações, principalmente na região do quadril e nos tornozelos, mas também se espalha entre os dedos das mãos e dos pés. As dores são tão fortes e constantes que o doente não consegue ficar, durante semanas, meses e alguns por anos, em posição erecta. Passa a andar, literalmente encurvado.

Como pode uma injeção subcutânea de uma carga viral, depositada após uma picada de uma fêmea do Aedes aegypti, o mesmo mosquito que transmite a dengue e a zica, colocar em risco tudo o que  conquistamos a 4 milhões de anos atrás? Isso mesmo, uma pessoa infectada pelo vírus da Chikungunya não consegue ficar na posição erecta, quando está sentado, ao se levantar, é forçado a assumir uma posição encurvada, uma vez que suas articulações não respondem. Durante semanas, meses, um ser humano é obrigado a abrir mão de uma conquista de milhões de anos e se curvar diante de um vírus!

Ao que vejo, não se trata apenas de uma curvatura, os vírus têm nos submetido a uma pesada carga, nos últimos tempos, tem custado a vida de milhões de pessoas. Então, quem é mesmo o inimigo do homem? Um ser tão pequeno, que até mesmo nem se sabe se é um ser  vivo ou não, de constituição simples,  que precisar parasitar uma célula para garantir sua replicação, ameaça toda a espécie humana! Ameaça a vida e a postura dos seres humanos, esses sim, complexos.

Por tudo isso, considerando que o Brasil vive hoje, em plena epidemia do CHIKV, porque temos centenas e milhares de pessoas incapacitadas de usufruírem, minimamente uma conquista de milhões de anos, que é andar em uma postura erecta, mas também incapacitadas para realizarem as mais simples tarefas de seu dia a dia, é que conclamo a revolta do homo erectus.

Devemos nos rebelar pelo direito de sermos bípedes, pelo direito de garantir e preservar a conquista do bipedalismo, pelo direito de andar em pé e não encurvado, pelo direito de não nos submetermos a tirania de um ser parasitário. Que nossa rebeldia chegue aos ouvidos das autoridades governamentais, aos laboratórios, às universidades e aos pesquisadores, aos investidores das pesquisas. A pandemia do Covid-19 é uma prova de que quando se unem esforços, uma vacina é descoberta em pouquíssimo tempo.


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