A revolta do Homo Erectus
Milton Barboza da silva
A
espécie humana levou milhares e milhares de anos para se levantar, tornar-se
bípede ( andar sobre os dois pés ), foi um longo processo de perdas e
aquisições de atributos, tanto anatômicos quanto comportamentais. Olhando-nos
caminhando hoje, com desenvoltura, equilibrado sobre os dois pés,
aparentemente, parece tarefa fácil e absolutamente natural. Mas não é, não foi
e, ao que parece, não será.
Para
reforçar o grau de dificuldade do bipedalismo ( ato de andar sobre dois pés),
convém observar como é difícil para um bebê se manter equilibrado, quando
engatinhar é tão fácil, tem crianças que parece ligar um turbo enquanto se
locomove sobre os joelhos e as mãos. Ressalte-se, ainda, que a curvatura no
solado dos pés humanos, foi uma aquisição anatômica imprescindível ao ato de se
levantar, que os diga os famosos “pés chatos” , vítimas de uma “tortura”
ortopédica durante anos, quando os ortopedistas recomendavam o uso das
famigeradas botas para moldar a cava do solado do pé.
Agora,
a certeza mesmo da existência do homem erectus pleno – o que só andava apoiado
sobre os pés -, veio com a descoberta dos fósseis de Lucy, assim chamada porque
o paleontólogo que descobriu seus ossos estava ouvindo, no momento do achado em
seu fone de ouvidos, a música Lucy in the Sky with Diamonds, gravada pelos Beatles ( 1967), composição de Lenon/McCarthey. Essa nossa
ancestral, classificada de Australopithecus Aferensis, deixa pra lá,
vamos chamá-la só de Lucy, possuía todos os requisitos anatômicos de um
bipedalismo. A posição de seu crâneo, a coluna em formato de um S
delgado, bem como a curvatura do pé, tudo isso indica que ela andava, corria e
pulava sobre os pés e não com apoio das mãos.
Porém lá na
Tanzania, na África Ocidental, em 1952, foi identificado um vírus chamado
CHIKV, apelidado de Chikungunya, que em 2005 infectou na India, Indonésia,
Maldávia, Mianmar, e na Tailândia quase 2 milhões de pessoas. Em 2007, houve
epidemia do CHIKV no norte da Itália e de lá para vários países, incluindo o
Brasil. Você já deve está se perguntando, o que a epidemia de Chikungunya tem
haver com o tema central de nossa conversa?
Em dialeto
maconde, falado pelos povos macondes, que habitam ao norte de Moçambique e no
sul da Tanzânia, a palavra Chikungunya significa “ aqueles que se dobram “, que
andam encurvado. A postura arqueada que o doente infectado pelo CHIKV assume durante o estágio mais agudo da
infecção, deve-se, segundo os reumatologistas, a inflamações nas articulações,
principalmente na região do quadril e nos tornozelos, mas também se espalha
entre os dedos das mãos e dos pés. As dores são tão fortes e constantes que o
doente não consegue ficar, durante semanas, meses e alguns por anos, em posição
erecta. Passa a andar, literalmente encurvado.
Como pode uma
injeção subcutânea de uma carga viral, depositada após uma picada de uma fêmea
do Aedes aegypti, o mesmo mosquito que transmite a dengue e a zica,
colocar em risco tudo o que conquistamos
a 4 milhões de anos atrás? Isso mesmo, uma pessoa infectada pelo vírus da
Chikungunya não consegue ficar na posição erecta, quando está sentado, ao se
levantar, é forçado a assumir uma posição encurvada, uma vez que suas
articulações não respondem. Durante semanas, meses, um ser humano é obrigado a
abrir mão de uma conquista de milhões de anos e se curvar diante de um vírus!
Ao que vejo,
não se trata apenas de uma curvatura, os vírus têm nos submetido a uma pesada
carga, nos últimos tempos, tem custado a vida de milhões de pessoas. Então,
quem é mesmo o inimigo do homem? Um ser tão pequeno, que até mesmo nem se sabe
se é um ser vivo ou não, de constituição
simples, que precisar parasitar uma
célula para garantir sua replicação, ameaça toda a espécie humana! Ameaça a
vida e a postura dos seres humanos, esses sim, complexos.
Por tudo isso,
considerando que o Brasil vive hoje, em plena epidemia do CHIKV, porque temos
centenas e milhares de pessoas incapacitadas de usufruírem, minimamente uma
conquista de milhões de anos, que é andar em uma postura erecta, mas também
incapacitadas para realizarem as mais simples tarefas de seu dia a dia, é que
conclamo a revolta do homo erectus.
Devemos nos
rebelar pelo direito de sermos bípedes, pelo direito de garantir e preservar a
conquista do bipedalismo, pelo direito de andar em pé e não encurvado, pelo
direito de não nos submetermos a tirania de um ser parasitário. Que nossa
rebeldia chegue aos ouvidos das autoridades governamentais, aos laboratórios, às
universidades e aos pesquisadores, aos investidores das pesquisas. A pandemia
do Covid-19 é uma prova de que quando se unem esforços, uma vacina é descoberta
em pouquíssimo tempo.
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