quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Por uma Política Cultural II






       Passados um ano e sete meses da administração do governador Marcelo Deda, temos algumas conquistas, nitidamente percebidas em um modo diferente de administrar e de dialogar com a sociedade, além de avanços em direção a uma transparência na condução do dinheiro público, com ganhos efetivos e publicados em licitações e otimização de serviços que, de outro modo, haveria desperdícios e superestimação das atividades fim.
       Afora essas e outras conquistas, alguns gargalos se apresentam ao governo que, com certeza, não são desconhecidos de sua excelência e de seus auxiliares. São desafios que estão sendo colocados em diversas frentes: na segurança pública, sistema prisional, saúde e na educação. Não vou discorrer sobre cada um desses problemas, pois a maioria, senão todos, estão colocados na mídia impressa, falada e televisionada, cotidianamente. Vou, nesse espaço, chamar a atenção do governo para um de seus gargalos que me parece tão problemático quanto os demais. A inexistência de uma política cultural para o Estado de Sergipe.
      Nos últimos 25 anos, tenho acompanhado a vida cultural do Brasil e do Estado, quer como professor universitário – lecionando as disciplinas Cultura Brasileira e Antropologia Cultural-, quer como agente cultural, atuando no âmbito do Estado, na área de documentação e patrimônio histórico. Durante esse tempo, fui além do magistério, pura e simplesmente, para um engajamento na luta pela preservação do patrimônio documental e histórico de nosso Estado. Os administradores públicos, que durante esse tempo, estiveram á frente da gestão cultural do Estado, encheram-me de decepção: pois nunca foi apresentado á sociedade um projeto consistente para a cultura sergipana.
      Quando o Presidente Lula assumiu, ainda durante o seu primeiro mandato, tive a esperança de, finalmente, termos um projeto cultural para o país. Afinal, abrigavam-se sob a bandeira do PT as melhores cabeças pensantes da Cultura brasileira. Mas foi incrível! Não só não foi apresentado à sociedade nenhum plano de ação cultural, como ainda foram debandando do governo petista, um a um, os melhores nomes ligados aos meios acadêmicos e culturais do país. Assim, passamos o primeiro mandato sem nem mesmo um plano de ação cultural quanto mais um projeto. Somente agora, praticamente, na metade do segundo mandato, foi apresentado um conjunto de ações culturais que, até impressiona pelos números, mas nem de perto se aproxima de um projeto cultural.
      Será que o governo Déda precisará esperar por um segundo mandato, ou, o que seria pior, pela metade de um segundo mandato, para apresentar à sociedade sergipana um projeto cultural do governo? Qual é o problema? Por que o travamento? Somos conhecedores da sólida formação cultural do Governador – isso é indiscutível-, como também somos testemunha, até por conhecimento pessoal, da consistente e inquestionável formação acadêmica e preparo do professor Luís Alberto dos Santos, Secretário de Cultura. Então, qual o motivo que está emperrando a formatação de uma política cultural para o governo? Administrar a máquina e a burocracia da Secretaria, dia a dia, é um trabalho executivo e necessário, não se prescinde dele, afinal, têm-se unidades ligadas a estrutura da Secretaria, como Biblioteca, Museus, Memoriais, Arquivo, etc., mas, é inconcebível que todo o conjunto das ações culturais se encerre aí, sem uma política cultural que balize as ações dessas unidades e, numa dimensão macro, da sociedade com um todo.
      Existe uma demanda de desafios na área da cultura para o governo estadual, mas não estamos observando uma resposta por parte dos gestores, sobretudo os responsáveis pelo enfrentamento direto desses desafios, que nos deixe sossegado. Ao contrário, o desassossego tem razões bem pontuais. Recentemente, no lançamento do “ dicionário” intitulado 2 séculos de artes visuais em Sergipe, o governador Marcelo Déda fez um louvável apelo aos presentes e a sociedade para que ajudassem a salvar a documentação do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, ressaltando a importância daquela instituição. Sinceramente, vossa excelência me incomodou bastante com esse apelo, mas também me deixou desassossegado, com o aparente sossego do chefe do executivo estadual, em relação a situação do patrimônio documental a ele diretamente ligado, como o acervo do Arquivo Público Estadual de Sergipe, que caresse de atenção e de uma intervenção do poder público para evitar o seu desaparecimento.
       Em tempo, antes que alguém pense que tenho algo contra o IHGS, quero afirmar que reconheço a importância daquela instituição, sei de seu valor e do lugar que ela ocupa para as pesquisas e que, ao longo de todo o século passado, foi uma imprescindível fonte de pesquisa e de orientação para a construção de um pensamento sobre Sergipe e a ciência histórica. E continua sendo até hoje. No entanto, nunca é demais lembrar a vossa excelência que o IHGS é uma instituição privada, não tem nenhuma vinculação com o poder público, exceto o “carinho” que vossa excelência tem demonstrado. Não, nada contra o Instituto. Mas, talvez sua excelência não saiba e, se não sabe, cabe ao seu secretário de cultura lhe informar, que sob sua responsabilidade se encontra uma instituição, essa sim, pública, que é o Arquivo Público Estadual de Sergipe, ligada a estrutura da Secretaria de Estado da Cultura, que necessita, urgentemente de vosso empenho e apelo, público de preferência, para salvar sua documentação e assim, preservar a memória do poder executivo sergipano.
       O acervo do APES, só para informar a vossa excelência, é quantitativamente, muitas e muitas vezes superior ao do IHGS; a representatividade do acervo do APES, por guardar toda a memória do Poder Executivo, bem como a memória histórica das vilas, cidades e municípios sergipanos, vai muito além da do IHGS. Com documentos que datam do século XVIII, XIX e XX, o acervo do APES tem sido referência nacional e internacional para pesquisas. Sem falar que gerações inteiras de historiadores se formaram dentro dessa instituição que sempre esteve ligada ao poder executivo. Mas, a despeito dessa importância, o quadro geral da documentação é lastimável, literalmente apodrecendo e se desmanchando, inviabilizando a consulta e o manuseio. O Acervo do APES pede socorro! No entanto, nunca ouvi vossa excelência se reportar ao APES, nem ao seu acervo; nunca vi, nem soube que vossa excelência tenha feito uma visita ao APES, nem um apelo para preservar sua documentação.
       Talvez, o governador nos diria: -mas eu tenho um Secretário de Cultura... ele que cuide disso! Talvez... Que o prof. Luís Alberto tem conhecimento dessa situação do APES, não tenho dúvidas, pois tem sido informado, com freqüência e por ofício, da situação. Eu mesmo fui autor de um parecer técnico sobre a situação do acervo do APES e enviado ao Secretário. Agora, que o governador tenha conhecimento isso eu já não sei dizer.
       Ora, pontuei uma questão: a do Arquivo Público Estadual. Mas, poderia ser da Biblioteca ou dos Museus, entre outros. O que se tem que evidenciar diante o exposto é que esse gargalo só existe no governo de Marcelo Déda por uma razão: até agora não foi apresentado um projeto de cultura. Com um projeto cultural pensado a partir do projeto maior, que é o projeto de governo, teremos a solução no médio e longo prazo para essas e outras questões. Não temos soluções mágicas, temos soluções que venham de um projeto de governo e de cultura.

Agosto, 2008

Milton Barboza da Silva
Historiador e professor universitário

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